É isso aí, estamos adentrando na segunda semana de publicações sobre a Construção Enxuta e hoje serão abordados assuntos relativos ao segundo dos 11 princípios apresentados por Koskela, aumentar o valor do produto para o cliente.
Antes de abordar os assuntos referentes ao tema desta terceira publicação, relembra-se duas definições apresentadas no conteúdo do último sábado (13/07/2019) – eliminar atividades que não agregam valor ao produto final – as quais são necessárias para definirmos significado do princípio de hoje:
(i) Cliente – No que tange a análise de processos, existem dois tipos de clientes: o interno e o final. No âmbito da indústria da construção, o cliente final é aquele que paga pelo produto/serviço acabado, podendo ser um incorporador ou o comprador de um imóvel. Já o cliente interno é aquele que vai receber o produto oriundo do fim de uma atividade específica dentro do processo (exemplos no artigo 2);
(ii) Valor – Pode-se definir valor como como aquilo que faz com que o cliente se ponha a disposição de pagar por, ou seja, o valor não está necessariamente atrelado ao custo de produção, podendo ser modificado por diversos fatores como marca, confiança, qualidade de acabamento ou qualquer fator que seja de interesse do cliente (exemplos no artigo 2).
Tomando como referência as definições supramencionadas, aumentar o valor do produto para o cliente pode ser definido como adicionar, ao produto/serviço, as características requisitadas pelo cliente, elevando o seu nível de interesse.
Mas qual a importância de se aumentar o nível de interesse no seu produto? No cenário atual da sociedade brasileira, existem diversas empresas prestando serviços semelhantes, dotando o mercado com altos índices de competitividade. Desta forma, torna-se necessário aumentar o valor do seu produto para o cliente – o que não significa aumentar o preço do seu produto – e para isso deve-se identificar qual o tipo de requisito em que se deve investir os seus esforços e recursos.
Mas como determinar o que gera valor para cliente quando existe, na sociedade como um todo, tamanha diversidade de opiniões, gostos e desejos das pessoas? Como identificar quais aspectos são importantes para o contratante de um serviço/produto?
O primeiro passo para resolver esse problema é entender que existem diversos tipos de requisitos de qualidade, dentre os quais, observa-se que alguns são comuns à toda a sociedade enquanto outros variam por nicho ou por indivíduo.
Para facilitar o entendimento acerca desses requisitos, o professor japonês Noriaki Kano desenvolveu, na década de 1980, um modelo analítico que classifica os tipos de requisitos de produtos (que podem ser extrapolados para serviços) com base no comportamento da satisfação dos clientes.
Este modelo, conhecido como Modelo de Análise de Kano (Kano Model Analyses), separa os requisitos em 5 tipos de qualidade, tendo como referência os níveis de satisfação de gerais da sociedade, bem como os de nichos e de indivíduos, conforme listado abaixo:
(i) Qualidade indispensável – Estes requisitos de qualidade são comuns a todos os clientes e são vistos como obrigatórios. Portanto, devem ser cumpridos pela empresa fornecedora.
Nesta situação, não há elevação dos níveis de satisfação dos clientes quando há o atendimento integral dos requisitos do produto, no entanto, o não atendimento resulta na insatisfação do cliente e na perda de credibilidade do fornecedor, fazendo com que o valor do seu produto seja reduzido.
Destaca-se que devido a velocidade com que as informações são transmitidas e a quantidade de pessoas que possuem acesso a elas, não ter sucesso nesses requisitos pode ser extremamente crítico para uma empresa (e provavelmente será).
Exemplo 1: A impermeabilidade em uma obra de construção residencial é um requisito indispensável para todos os clientes, visto que eles pagam para receber o produto com desempenho satisfatório. Neste caso, se a obra for entregue estanque, o cliente entenderá isto como uma obrigação cumprida, não aumentando seu nível de satisfação, mas caso a obra sofra com infiltrações, o cliente ficará insatisfeito.
Exemplo 2: A garantia de manutenção técnica de um imóvel, quando possui o período equivalente ao estabelecido por lei, também é um requisito visto como obrigatório sob a ótica do cliente, assim como todos os itens que possuem garantia legal. Por isso, ser atendido quando solicitado não aumenta a satisfação do cliente, mas em caso de recusa de atendimento por parte do fornecedor, o cliente ficará insatisfeito;
(ii) Qualidade unidimensional – Este também é um tipo de requisito global, que abrange à todos os clientes. Não é visto, inicialmente, como obrigatório, mas após acordado com os clientes (por meio de propaganda, conversa ou contrato), passa a ser.
Neste caso, atender aos aspectos acordados junto ao cliente gera o aumento dos seus índices de satisfação, aumentando o valor do seu produto sob a ótica do cliente, mas não atender a estes pontos gera a insatisfação e a perda de credibilidade.
Por não ser visto como obrigatório em um primeiro momento, passando a ser apenas quando a acordo ou promessa para o cliente, este tipo de requisito geralmente é o que promove a competitividade dentre as empresas de um determinado centro.
Exemplo: Um imóvel que possui vista direta para o mar tem, sob o ponto de vista do cliente, maior valor que um imóvel sem vista para o mar, mesmo que não este não seja um requisito obrigatório para a aquisição de uma residência. Isto posto, se o cliente pagar por um imóvel com vista para o mar e receber o apartamento com o este requisito, ele ficará satisfeito com o produto adquirido, mas caso o imóvel seja entregue com a vista impedida, ele ficará insatisfeito;
(iii) Qualidade atrativa – Também são requisitos de qualidade atribuídos à todos os clientes, no entanto, podem ter resultados diferentes a depender do nicho em que estão inseridos. De qualquer forma, não são vistos como itens de atendimento obrigatórios.
Para esta situação, quando há o atingimento integral de todos os seus requisitos, o cliente terá um aumento do índice de satisfação, mas quando não há o atendimento, o cliente não ficará insatisfeito.
Destaca-se que o aumento do valor do produto vai depender do nicho em que o seu cliente está estabelecido, conforme apresentado nos exemplos abaixo:
Exemplo 1: Entregar uma obra residencial antes do prazo acordado com o cliente, certamente vai deixá-lo mais satisfeito. Contudo, caso não haja possibilidade de realizar esta antecipação e a obra seja entregue no prazo acordado no momento da contratação, isso não acarretará na insatisfação do cliente.
Exemplo 2: Quando se trata de empreendimentos comerciais (tais quais farmácias, acadêmias, lojas de conveniência, shoppings e outros), o prazo de entrega da obra se torna mais importante, visto que a cada dia sem funcionamento é um dia sem faturamento. Por isso, nessas situações, entregar a obra antes do prazo acordado pode resultar em um aumento substancial de valor para o produto/serviço da empresa fornecedora;
(iv) Qualidade Indiferente – São requisitos comuns a todos os clientes que, além de não serem requisitos obrigatórios sob a ótica do cliente, são vistos como dispensáveis.
Estes aspectos de qualidade não geram satisfação nem insatisfação por parte dos clientes, de forma que não refletem no valor do produto. Por isso, os custos de produção com qualquer um desses requisitos devem ser minimizados ou eliminados, com forma de aumentar a lucratividade do fornecedor.
Exemplo: A espessura do reboco utilizado como acabamento das paredes de um apartamento não é um requisito que influencia na satisfação do cliente, portanto, quanto maior a espessura, menor o lucro da empreiteira;
(v) Qualidade reversa – Este tipo de requisito não é comum a todos os clientes, sendo que atender a estes aspectos podem gerar satisfação para um grupo ou um único indivíduo e insatisfação em outros, visto que nem todos os clientes desejam as mesmas coisas.
Exemplo: Um condomínio implementa um sistema de portaria remota a fim de reduzir custos. Esta implementação pode ser vista como uma vantagem para alguns clientes, que desejam reduzir suas despesas com as contas de condomínio, mas pode ser visto como desvantagem para outros, que se sentiriam mais seguros com o modelo de portaria física.
Agora que se sabe o porque aumentar o valor do produto para os clientes e como identificar quais os tipos de requisitos de qualidade que possuem, pode-se focar em investir no que realmente gera valor, evitando investimentos em aspectos indiferentes e focando nos itens de qualidade unidimensional e indispensáveis, fazendo sua empresa disparar na frente dos competidores.
Mas e as qualidades atrativas e reversas? Para estes casos, as empresas precisam observar como se comporta o meio em que o seu público-alvo está inserido antes de realizar os investimentos para atendimento dos requisitos. Para tal, sugere-se a realização de pesquisas com os potenciais clientes antes de iniciar qualquer investimento, a fim de entender se existe algum padrão ou se será necessário flexibilizar o produto (mais um dos princípios Lean).
As pesquisas de mercado são extremamente importantes na determinação de um produto, podendo indicar como se comporta o nicho existente em um determinado meio, facilitando em diversas definições como características arquitetônicas, de desempenho, dentre outros fatores.
Exemplo: Pesquisas realizadas por empresas privadas no estado do Ceará mostraram que apartamentos construídos em cidades de interior deveriam possuir cozinhas grandes e quartos menores, visto que aquele nicho geográfico tende a se reunir, frequentemente, com a família e os amigos para grandes refeições. Por outro lado, a mesma pesquisa realizada na capital do estado resultou em comportamentos inversos, pois a maior parte das pessoas daquele meio buscavam a tranquilidade de seus cômodos para descansar após uma semana estressante (devido a engarrafamentos, poluição sonora e etc), não priorizando receber visitas com frequência.
Exemplo 2: Uma pesquisa sobre o comportamento do mercado imobiliário em 2040, observou que os principais requisitos imobiliários passarão a ser privacidade e segurança, enquanto atualmente estes requisitos estão atrás de localização e conforto. Adicionalmente, observou-se também que aumentará, substancialmente, a valoração do cliente para os aspectos de sustentabilidade.
Além das pesquisas de mercado, outras ferramentas de comunicação podem ser usadas para propiciar melhores resultados a este princípio da Lean Construction, como: Uso de redes sociais, reuniões com novos clientes para alinhamento de expectativas, reuniões com antigos clientes para obtenção de feedback. Adicionalmente, recomenda-se a utilização da ferramenta VOC (Voice of Client), que transforma os requisitos dos clientes em medidas mensuráveis, facilitando o estabelecimento de metas e o controle dos resultados.
Agora, sua empresa, que após o artigo passado já ficou apta a enxugar os seus processos internos reduzindo os desperdícios, está apta também a vencer a competitividade do mercado, gerando produtos com cada vez mais valor para os seus clientes e aumentado sua representatividade no mercado.